Vocações do Antigo Testamento - Jeremias

Jeremias 20, 7-9
7Vós me seduzistes, Senhor, e eu deixei-me seduzir; Vós me dominastes e vencestes. Em todo o tempo sou objecto de escárnio, toda a gente se ri de mim; 8porque sempre que falo é para gritar e proclamar: «Violência e ruína!» E a palavra do Senhor tornou-se para mim ocasião permanente de insultos e zombarias. 9Então eu disse: «Não voltarei a falar n’Ele, Não falarei mais em seu nome». Mas havia no meu coração um fogo ardente, comprimido dentro dos meus ossos. Procurava contê-lo, mas não podia.


Este texto é uma parte de uma das chamadas «confissões de Jeremias», as dolorosas lamentações do Profeta numa situação tremendamente dramática, após a trágica morte do rei Josias; prisioneiro da paixão por Deus, que o leva ao cumprimento fiel da sua espinhosa missão profética, Jeremias sente a repugnância instintiva do sofrimento que este desempenho lhe causa, pois isto era o pretexto para os seus adversários o acusarem de ser ele o culpado de todas as desgraças que desabavam sobre o povo, desgraças que haviam de culminar na conquista e destruição de Jerusalém por Nabucodonosor em 587 a. C. e no exílio de Babilónia. Jeremias chega ao ponto de, em dolorosos desabafos, amaldiçoar a sua vida, mas, ao mesmo tempo, mostrando uma inquebrantável confiança em Deus. Deixou-nos os mais belos textos literários que exprimem o drama da dor humana de um homem de fé: a fina e delicada sensibilidade de Jeremias como que se revolta, chega ao paroxismo e desata em doridos desabafos que se devem entender não como gritos de revolta, mas como queixumes ditados pela confiança e abandono nas mãos do Senhor. Deste texto depreende-se claramente a sobrenaturalidade da sua vocação profética: se este carisma fosse algo de imanente, não faria sentido que se queixasse a Deus de o ter seduzido – «Vós me seduziste, Senhor» (v. 7) – e de não conseguir dominar o impulso interior que o levava a profetizar: «mas havia no meu coração um fogo ardente… Procurava contê-lo, mas não podia» (v. 9). Pelas provações que teve de sofrer, o profeta celibatário, é considerado como uma figura de Cristo, casto e sofredor.
A notável obra do profeta de Anatot encontra-se muito desordenada, sem uma sequência natural, em parte ter sido mandada queimar pelo rei Joaquim; os seus oráculos, postos por escrito pelo seu secretário Baruc, foram recolhidos de modo muito disperso, como é fácil de verificar. As confissões de Jeremias encontram-se em: Jer 11, 18 – 12, 6; 15, 10-21; 17, 14-18; 18, 18-23; 20, 7-18. 

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